Luta contra o crack: jovens contam suas histórias para inspirar outros usuários a deixar o vício


Clarissa Monteagudo
 
A esperança de Taiciane nasceu com 2,645 quilos e 45 centímetros. Araceli ou Flávia? Ela ainda escolhe o nome da filha, enquanto dobra as roupinhas vermelhas e mostra o seio “cheio de leite”. Taiciane é usuária de crack. Gosta de estar dentro da maternidade, onde jura não sentir a falta da droga. Sairá direto para outro refúgio: a casa da irmã, na Zona Oeste. Precisa estar longe da cena de uso, a Praça do Jacarezinho, onde o companheiro, Flávio, ainda perambula.
— Eu não tive sonhos, mas minha filha não vai viver esse caminho. Ela merece ser cuidada — conta a menina que perdeu a mãe, também usuária de drogas, aos 13 anos.
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- Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Aos 27, Taiciane Silva vive um momento crucial. De acordo com Diana Ribeiro, coordenadora do programa Proximidade, da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social, o nascimento de um filho pode ser a âncora que leva um dependente químico a enfrentar seus fantasmas. E resgatar sua vida:
— A droga traz alívio, mas não resolve as frustrações. É o sentimento de tapar vazios, mas, quando passa o efeito, os problemas estão lá. Existem muitos mitos sobre o crack: que, uma vez experimentando a droga, a pessoa vai morrer, não tem jeito. Não é verdade. Mas é preciso voltar e enfrentar os motivos que a levaram até ali. Tem que desatar o nó.
A realidade dos usuários não é cor-de-rosa, como um quarto de bebê. Mas exemplos como do universitário Hildegard de Paula Parães, de 26 anos, mostram que há vida, e muitos sonhos possíveis, para quem um dia viveu os horrores do vício. E hoje se mantém abstêmio. Em julho de 2013, após uma via-crúcis, ele procurou a Associação Solidários Amigos de Betânia, na Freguesia, em Jacarepaguá. O estudante de Direito tinha virado morador de rua por causa do crack. Fez o tratamento de desintoxicação e hoje conclui o quinto período do curso. Ele não tem medo de contar seu passado.
— Há preconceito, mas não vou esconder minha história. Quero dar meu testemunho. Ele pode ajudar muitas outras pessoas — decreta, com ares de herói, na luta diária pela vida.
Hildegard agora sonha concluir a faculdade de Direito
Hildegard agora sonha concluir a faculdade de Direito Foto: Márcio Alves / Agência O Globo

Aos 9 anos, o pai assassinado em Duque de Caxias. Sozinha com dois filhos, a mãe decide recomeçar a vida em Minas Gerais. Na estrada, o veículo que leva a mudança bate. Toda a bagagem da família é perdida. O menino Hildegard só consegue resgatar sua chuteira. Era de marca. Na cidade mineira de Frutal, a droga acabou sendo o refúgio do garoto tímido, que sonhava ser popular na escola e apagar a saudade do pai.
Primeiro, o álcool, depois a maconha e a cocaína. Quando o pó deixou de surtir o efeito desejado, o jovem experimentou o crack. Escondido. Na época, cursava o quinto ano da faculdade de Direito. Não conseguiu concluir o curso. Envergonhado, veio para o Rio na esperança de apagar o passado. Mas não conseguiu se livrar das drogas. Virou morador de rua:
— Passei muita fome. Comi do lixo de lanchonetes. Hoje, volto à instituição que me recuperou, Betânia, para falar a outras pessoas que é possível sair do mundo da escuridão para a luz. Eu determinei que não vou mais usar drogas. E eu tenho sido o meu herói todos os dias.

FONTE: EXTRA.GLOBO.COM

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