RICOS PORÉM ESCRAVOS DOS VÍCIOS


Mais da metade dos consumidores declarados de drogas pertencem à classe alta brasileira. Homem que ficou entre a vida e a morte conta o que fez para se livrar da dependência química.

Drogas: um caminho sem volta?

O vício também atinge a alta sociedade e trazer consequências fatais, mas engana-se quem acredita que esse mal não tem solução

                 

Uma vida de conforto e regalias. Além da possibilidade de estudar em boas escolas e do suporte financeiro para realizar todas as vontades e ambições. O que leva uma pessoa tão privilegiada a entrar para o perigoso mundo das drogas? 
O paranaense Rodrigo Mux-feldt Gularte, de 42 anos, tinha todos os recursos disponíveis para construir uma vida cômoda. Poderia viver no anonimato, mas ganhou as páginas dos noticiários de todo o mundo nas últimas semanas.
Usuário de drogas, Rodrigo havia sido internado em algumas ocasiões. A primeira delas ocorreu quando ele tinha 16 anos. O consumo foi além do uso e fez com que Rodrigo entrasse para o tráfico. Em 2004, foi preso em Jacarta, na Indonésia, após ser flagrado com seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Um ano depois, foi condenado à morte. As investigações apontaram que ele foi usado como “mula”, ou seja, transportou a droga em troca de dinheiro.
Mas, na Indonésia, o crime de tráfico de drogas é considerado gravíssimo e o criminoso paga com a própria vida.
A jornada para o país asiático foi uma viagem sem volta. Neste ano, no dia 28 de abril, Rodrigo foi fuzilado, ao lado de outros sete traficantes. O paranaense foi o segundo brasileiro a passar pelo “corredor da morte” na Indonésia. Em janeiro deste ano, o carioca Marco Archer, de 53 anos, foi o primeiro brasileiro a ser executado pelas leis de um país estrangeiro.
Archer foi preso em 2003, quando tentou entrar na cidade de Jacarta com 13,4 quilos de cocaína escondidos em equipamentos de asa-delta. Na ocasião, ele fugiu, mas foi encontrado duas semanas depois na própria Indonésia.
Caso a operação não fosse descoberta pela polícia estrangeira, Marco receberia aproximadamente R$ 3 milhões pelo transporte da droga. Um ano após a prisão, ele também foi condenado à pena de morte. Rodrigo e Marco perderam a vida e todas as chances de se libertar das amarras das drogas. As consequências não foram calculadas e o final foi fatal.
O consumo de drogas não tem a ver com classe social. O vício não escolhe cor, idade ou renda. Prova disso é o resultado da pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O estudo concluiu que mais da metade dos consumidores declarados de drogas pertencem à classe alta brasileira. Intitulado “O Estado da Juventude: Drogas Prisões e Acidentes”, o levantamento mostrou que 62% dos consumidores de drogas são jovens, têm cartão de crédito e estudam em instituições privadas de ensino. Ao todo, 182 mil brasileiros foram ouvidos. A pesquisa fez referência apenas ao uso de maconha, lança-perfume e cocaína.
Falsa ilusão
A estrutura financeira não foi suficiente para livrar Henrique Alberto Almirates Neto do contato com as drogas. A família, de classe alta, não economizou esforços para oferecer o melhor ao rapaz.
Profissional de televisão e rádio, Henrique já trabalhou como diretor comercial, diretor artístico e produtor executivo de diversas emissoras. A carreira bem-sucedida e a vida estabilizada também não o impediram de experimentar cocaína. A partir do primeiro contato com a droga, a rotina dele não seria mais a mesma.
“Naquele momento, eu tive uma sensação agradável, uma falsa ilusão. Senti que era forte, corajoso, me senti o dono do poder. Sempre fui muito mulherengo. Eu usava a cocaína para me anestesiar, acalmar.
Usava também para me excitar, para ter relações com as mulheres”, conta. À medida que Henrique crescia profissionalmente, o uso da droga se intensificava. “Quanto mais importante eu ficava, quanto mais dinheiro eu ganhava, mais fácil era o acesso à droga”, afirma.
Cocaína
O alto consumo do estimulante usado por Henrique ainda assusta. O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) garante que quase 4% da população adulta já experimentou variações de cocaína na vida. O índice foi de 3% em adolescentes. O Brasil representa, em números absolutos, o segundo maior mercado de cocaína do mundo. Ao todo, 6 milhões de brasileiros já experimentaram essa droga em algum momento da vida.
Henrique conta que para manter consumo levava uma vida dupla. Como era preciso viver de aparência, tinha o círculo de amizades do vício e o círculo de contatos sociais. “Ninguém sabia que eu tinha o vício, porque eu não podia correr o risco de perder o meu emprego”, relata. Ainda assim, nessa vida dupla, ele queria sempre o melhor. “O melhor relógio, o melhor carro, o melhor terno, a melhor mulher. E com a droga é a mesma coisa. Você quer a mais pura, a mais cara, a que vai mexer mais com a sua cabeça. E onde você vai encontrar isso? Na alta sociedade.”
Rogério Formigoni, autor do livro A Última Pedra: Vícios têm Cura, explica que existem pessoas que usam drogas todos os dias e afirmam que isso é algo “social”. “São pessoas públicas, empresários, que cheiram dois, três pinos de cocaína por dia e dizem que é para ficar mais acordado, mais eufórico. Eles têm dinheiro para manter o vício e a família não sabe. Na cabeça deles, é um vício social, mas eles não conseguem ficar sem a substância. Vivem sob o domínio daquela droga e precisam de cura.” Formigoni, que foi usuário de drogas durante cinco anos, conhece bem a realidade vivida por Henrique e tantas outras pessoas que enfrentam a batalha contra o uso de substâncias ilegais.
Henrique começou a perceber que havia se tornado um escravo da cocaína. “Eu não estava mais dando conta da minha agenda e comecei a ter problemas profissionais. Estava perdendo dinheiro, tudo atravancava a minha vida.” Para completar, passou por algumas situações para entender que a própria vida corria riscos. “Primeiro, eu capotei um carro. Depois, fui atropelado por um ônibus. Mas o pior de todos foi o acidente de moto. Foi gravíssimo, fui parar na UTI. Ali eu percebi que precisava sair daquela vida.”
Apesar de todo o sofrimento, os familiares não deixaram de apoiá-lo. Toda a família sofre quando um dos integrantes enfrenta problemas com o vício. De acordo com o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), o dependente afeta a habilidade de trabalhar ou estudar de 58% dos parentes. Muitos (33%) têm medo que o seu familiar viciado beba ou se drogue até morrer.
Por sugestão do pai, Henrique decidiu participar do “Tratamento para a Cura dos Vícios”, realizado todos os domingos, às 15h e às 18h, na Avenida João Dias, em Santo Amaro (SP). Foi quando ele entendeu que existia solução para o problema que enfrentava. “A Universal abriu as portas para mim, me ofereceu tratamento. E não me cobrou nada por isso”, completa. Hoje, ele está livre da cocaína e a sua trajetória serve de exemplo para milhares de pessoas.
Rogério Formigoni lembra que o mundo das drogas é um caminho tortuoso, que ilude e destrói. “Quando eu experimentei, me disseram que era uma viagem boa, mas ninguém me disse que era uma viagem sem volta. A droga leva você a dois caminhos: a cadeia ou o cemitério. Mas existe solução e o tratamento está aí para provar que há um terceiro caminho, que é o da cura.”
 
Fonte: FOLHA UNIVERSAL

 

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